( circulações )


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trânsitos? textos breves? antologia? leituras?
cearense? literatura contemporânea? cartaz?

Érica Zíngano


você diz antologia um ramo de flores , faixas , feixes , fecha o sinal vermelho
você diz flecha , ( troncos e barrancos ) , alguém cruza o espaço em branco do meio-fio
resma de cidade , concreto coberto com papel , pigmento , pigmaleão , paralelepipedo a pino
você diz pedestre , pó no rosto , resto , rima , resma ainda
--- placas de aparar palavras --- placas de aparar paisagens --- à paisana ---
você diz mão , mar , miragem , mergulho

Flávia Memória



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( circulações ) a partir de um centro vazio





PRE-FÁCIO < - > POS-FÁCIO


Se esta antologia habitasse as páginas (nem sempre confortáveis) de um livro, teria sido necessário decidir, a priori, se este texto, “Anotações em torno de um fazer – antologia?”, funcionaria como um prefácio, que tem como características gerais abrir linhas, setas, indicações para um desbravador qualquer (outra forma de dizer leitor possível) percorrê-lo, puxando ou desviando, conforme se caminhe; ou se este texto partiria de um protocolo distinto, ao assumir a forma de um posfácio, que, por estar localizado na parte de trás do livro, tenta, muitas vezes, redesenhar percursos, direções, pensamentos que atravessaram as páginas hipoteticamente folheadas pelo leitor, abrindo caminhos para novas descobertas ou redescobertas (confirmações ou evidências já intuídas em uma primeira leitura), que podem nos ajudar depois, se quisermos, a voltar ao texto para relê-lo com outros olhos – e já sabemos que uma volta nunca é igual a outra.

São duas perspectivas diferentes e ambas desencadeiam diferentes movimentos na prática de manusear e habitar o livro: apontam, é claro, para duas possibilidades de organização das ideias. Mas também não deixa de ser evidente que, independente do lugar que poderiam ocupar no livro, se antes ou depois, o leitor (desbravador) é quem tem autonomia de decisão: é ele quem irá decidir, a seu bel-prazer (um prazer pessoal e intransferível), por onde começar.

CIDADE < - > INTERVENÇÃO URBANA


Ao relacionarmos os textos com os contextos urbanos, buscamos justamente assinalar esse movimento de construção de um imaginário que, ainda que se queira coletivo, habita provisoriamente muitas subjetividades radicais. No momento em que privilegiamos a circulação dos textos nos interstícios da malha urbana, assumimos o risco de apostar em um exercício de leitura impuro, contaminado pelo entorno, afetado pela poluição sonora, visual e gráfica; um exercício de leitura que não se dissocia de uma série de outros gestos e dinâmicas, que se insere no contingente de pessoas e signos, no contingencial de um instante a outro. Sendo assim, quando usamos a expressão subjetividades radiciais, como feixes de intersecção de um pensamento da coletividade, é porque acreditamos que a radicalidade do termo está no fato de que, observando a dinâmica estrepitosa e múltipla das incontáveis dinâmicas da cidade, o humano deixa de estar vinculado a uma noção de subjetividade segundo a qual exerce o domínio unidirecional da exegese e é inserido em um meio cujas potências do ser correspondem aos próprios movimentos sobre o campo, ou melhor, ao próprio fluxo das afetividades atuantes no plano. De modo que, já não se trata de separar subjetividades e objetividades, mas de assentir em um exercício de leitura que advém do encontro, que se forma segundo uma subjetividade do meio, observando, assim, a dinâmica sugerida por todo o circuito, no qual todo e cada componente do relato gestual é posto em relação.

Trata-se, então, de promover encontros com o entorno; apostar em uma estetização infraleve: que, entre todos os textos e cartazes expostos sobre a cidade, as pessoas possam perceber os matizes, diferenciar os entornos, enredar-se em problemas comuns, percorrendo diferentes trajetórias de leitura, religando os textos espalhados em diferentes muros da cidade. Afinal, enquanto procedimento de ramificadas dicções, a referida leitura de passagem certamente permitirá constatar que a afetação do tempo sobre o espaço não obedece a uma constância; que nenhum movimento é capaz de herdar ou legar uma verdade acerca de como devemos ou não ocupar os espaços.


INTERVENÇÃO URBANA < - > REGISTRO


Se no âmbito inabarcável das possibilidades de intervenção urbana, podemos partir da especificidade de certas práticas, voltadas à desativação de certos monumentos, à profanação de certas fronteiras instituídas ou mesmo à luta direta contra a ação simbólico-prática da proliferação mercadológica dos mais distintos processos de gentrificação, nada impede, no entanto, que proliferemos uma praxis de ocupação do espaço público em que o discurso se degenera, em que a palavra, o texto já não veicula – ou serve de veículo a – uma mensagem -, mas propicia a escritura de um contexto.

À simultaneidade dos diferentes registros e suportes, sobrepõe-se ainda a simultaneidade de vozes, de olhares e leituras sobre e a partir dos objetos, no meio. A questão do “registro” (bastante problemática e problematizada pelas “artes contemporâneas”) desencadeia várias outras, porque, muitas vezes, o “registro” acaba por ser lido como uma espécie de “substituto” das próprias intervenções, do seu “experienciar”. Ela se apresenta, também, como uma tópica incontornável, ocupando lugar de destaque, quando pensamos o “durante” e o “depois” do projeto – sua permanência e disseminação, como aspectos implicados no próprio ser e fazer do projeto.

A ideia de criar uma estrutura, que logo será disseminada, dissolvida, fragmentada, condiz com a proposta de organizar uma antologia, que é da ordem do ajuntamento de forças singulares, porque: 1. de textos breves – alheios à própria classificção de gênero entre prosa e poesia; 2. de textos inéditos – o que impede um juízo de valor prévio por parte dos compiladores (ou seja, parte da noção de agrupamento (e dispersão) não de linhas já publicadas e selecionadas, mas de convites abertos que, quando aproximados pelas páginas móveis da antologia, podem suscitar novas linhas de força a partir da ideia de conjunto/cruzamento/e corte; 3. a ser publicada tanto no formato cartaz quanto no desdobramento virtual – favorecendo a imprevisibilidade do acesso e da leitura dos textos. Desde o começo, então, foi preciso pensar em como “registrar” e “reunir”, i.e., “arquivar” e “agrupar” algumas das reverberações dessas evidências, que atravessaram a cidade de Fortaleza, interferindo (mesmo de forma minúscula e praticamente invisível) nas rotas de suas paisagens cotidianas, criando pequenos ruídos e rumores.


<< TEXTO BREVE >>


Onde começa uma coleção? Quando um objeto, um nexo ou um vulto sonoro passam tão perto que é de dentro que ecoa a estridência de um deslocamento? Se, por sua vez, a etimologia grega da palavra antologia nos remete ao gesto de colecionar flores, seu uso através dos tempos denota um alargamento semântico tanto no sentido do quê se coleta, do porquê e incluso de como se coleta. A imagem de um jardim, como a projeção do desejo de guardar algo de belo, delicado e de bom perfume, cede lugar à imprescindibilidade do cultivo --- mas cultivo de quê, e mais: por quê?

A proliferação de antologias no espaço/tempo contemporâneos parece delinear-se como uma resposta ao acúmulo vertiginoso de registros significativos. A quebra de um sistema hierarquizante e sua inevitável substituição por um amplo horizonte de possibilidades, cuja coerência se revela na mera singularidade dos objetos, resulta de uma mudança substancial no regime lógico das propostas antológicas. À forma, ao estilo ou ao suporte, como critérios capazes de justificar a escolha dos textos segundo uma orientação prévia e, no mais das vezes, pragmática do juízo de valor a ser exercido na seleção, contrapomos um feixe de outros elementos (ou momentos, e não monumentos) de valoração: o caráter amorfo da concepção de “textos breves”, a disseminação contida na proposta do suporte virtual em ação com a materialidade fragmentária dos cartazes, o teor trivial e muitas vezes dissonante do conjunto, bem como o fato de se tratar de uma produção poética em vigência - mutante, portanto.

A denominação texto breve não diferencia os textos por nenhuma qualidade, não privilegia os autores sobre os leitores, não elege um meio de circulação restrito, um modo de leitura, um público-alvo, mas inscreve-se como uma aposta na leitura.

ANTOLOGIA,


A expressão, como se sabe, vem da língua grega: ‘athos’ (flor) + ‘legein’ (colher). Antologia seria, em princípio, um tratado de flores, a atenção botânica para as florações do mundo. Em literatura, uma coleção de textos ou de muitos autores. ‘Flores of speech’, poderíamos dizer, recitando James Joyce, o gênio semicego do Finnegans Wake. E a etimologia diz tudo. Colher é tirar, separar, escolher.”,


É o que nos explica Antonio Risério, na introdução de Outras Praias - 13 poetas brasileiros emergentes/Others Shores - 13 emerging brazilian poets (1998), fazendo-nos pensar na antologia, de antemão, como um problema lírico (e não seriam as flores uma questão de poesia?).

É costume assentir que as antologias surgiram para reunir textos mais expressivos de um certo movimento, estilo, época ou classe dominante, ou seja, que eram pensadas para servir como um compêndio, capaz de representar e legitimar um determinado cânone – com todas as demais legitimações que ele acarretaria, sem falar nas proliferações, no séc. XX, dos mais diversos modos e modelos de antologias, que sempre recaem sobre diferentes formas de montar e remontar uma coleção. Porém, quando propomos uma antologia de textos breves (em processo, entrando na vertigem do aberto), pensamos que 1) o ineditismo dos textos pedidos aos participantes busca denotar essa escritura em processo, que pensa e se repensa, ao fazer-se; 2) através do formato-cartazes, a serem afixados em espaços públicos (assinalando esse jogo sempre aberto do remontar as peças, e reuni-las, num gesto impossível de totalidade, que, na verdade, tenta é problematizar a ideia de todo), em conexão com a plataforma web, estamos dizendo também que antologizar é um outro modo de reescrever, de reinventar, enfim, de sentir a produção literária contemporânea.

Ao reivindicarmos o deslocamento como um procedimento de leitura crítica, compartilhamos com um contingente de pessoas não apenas os textos selecionados, mas o próprio gesto de escolher. Liberando-se da proposta valorativa do que seja melhor ou pior e jogamos com a eleição a partir de uma perspectiva incerta, inédita, anódina, pouco interceptada.


COLEÇÃO > - < ARQUIVO


Por isso, no lugar de pensá-la pelo uniforme, se fôssemos escolher uma imagem para pensar esta reunião, ela seria com certeza a do arquivo – um informe. Elisa Helena Tonon, em sua dissertação de mestrado, Configurações do presente: crítica e mito nas antologias de poesia, defendida na Universidade Federal de Santa Catarina em 2009, nos ajudou a pensar a distinção entre a coleção e o arquivo, quando refletia desdobramentos possíveis para esses termos a partir do pensamento de Walter Benjamin e de Jacques Derrida:


Benjamin em suas Passagens, diz que a coleção é armada a partir de elos e semelhanças, e o colecionador é aquele que “reúne as coisas que são afins; consegue, deste modo, informar a respeito das coisas através de suas afinidades ou de sua sucessão no tempo.” Assim como o arquivo, a coleção se erige contra a dispersão, entretanto ela possui um forte traço ordenador e classificatório, também presente na biblioteca e no museu. (TONON, 2009, p. 16).


De fato, é inegável que existam semelhanças entre a coleção e o arquivo, como aponta Tonon, no entanto, nós, como organizadoras, não estávamos criando, a partir dos cartazes, grupos ou sub-grupos, elos ou perspectivas de leitura que os amarrassem entre si, queriamos caminhar longe de visadas classificatórias que pretendem, quase sempre, uma ordenação museológica, já com etiquetas em riste, prontas para nomear, embrulhar e colocar na estante, porque estávamos muito mais interessadas em possibilitar o acesso à própria palavra, e que ela aí falasse por ela, nas brechas de espaço que fomos tentando abrir na cidade, para que a palavra, inevitavelmente plural e múltipla (e ainda bem que assim), palavreasse, palavrório, palavreado, palavra...


[...] o arquivo, tal como pensado por Jacques Derrida, não pressupõe hierarquia ou organização entre seus componentes, mas se constitui através do acúmulo, da estocagem que objetiva registrar, salvar, tornar certo material disponível para o futuro, como aposta, como penhor. Esse arquivo se move a partir de duas forças: um desejo (de arquivamento) e uma pulsão de destruição. Com isso, o arquivo, mais que coisa do passado, é justamente o que põe em questão a chegada do futuro, como possibilidade. Derrida nos diz que não sabemos estritamente o que o arquivo quer dizer, isso saberemos no por-vir. Ao tratar de arquivo, tratamos da questão de “uma resposta, de uma promessa e de uma responsabilidade para amanhã.” (TONON, 2009, p. 16-17).


Ou seja, nós não estávamos interessadas em arrumar o informe nas prateleiras, isso que de tão vivo é, muitas vezes, inapreensível e praticamente invisível. Pelo contrário, nós queríamos que ele, o informe, como uma massa múltipla e variável, se desse a ler, a ver, pela fissura que desliza entre os textos, e por isso partimos de um mesmo protocolo formal, comum a todos – a mesma fonte, o mesmo tamanho, o mesmo tratamento para os textos (que foram recebidos como breves) serem espacializados no formato-cartaz –, justamente para que não houvesse nenhuma hierarquia (e a noção de privilégio) entre os textos dos participantes, e nesse processo é interessante perceber que não há consenso para a noção de breve, e mesmo esse dissenso o pensamos como positivo, porque é a partir desse ruído gerado pela diferença, que a antologia pode funcionar como um arquivo, pelo acúmulo do diverso.

Talvez, nem valesse a pena sublinhar, mas é importante que se repita: há, como disse Elisa Tonon, duas forças que movimentam o arquivo, a do desejo de reunião, o arquivamento, e a da sua própria destruição, sua desaparição. Acreditamos que tensionamos as duas nesta antologia, tanto ao pensarmos a sua forma-puzzle como uma intervenção urbana, que, de forma fragmentária, ruindo com a ideia de um todo (uno e coeso), ainda tentando dar lugar à experiência, enquanto os cartazes moviam-se, dispersando-se, dissipando-se, a ponto de desaparecerem, engolidos pelos muitos fluxos da própria cidade; quanto ao termos decidido propagar os ecos da intervenção no blog do projeto, jamais a experiência ela mesma (singular, insubstituível), acontecimento que é da ordem do irreproduzível e do irrecuperável (senão pela marca da semelhança/diferença), mas alguns desses resquícios (que se abrem como desdobramentos).


ESCOLHA < - > RECOLHA


Outra questão que o termo antologia traz é a do princípio de escolha, palavra que aqui, no contexto da organização desta antologia, preferimos escrever como recolha, porque, dentre os vários sentidos que pode assumir, há dois que gostaríamos de frisar: tanto o juntar, mais próximo de reunião/agrupamento, que já justificaria a utilização do nome antologia neste projeto (na ambiguidade em que ele se propõe a ser e a não ser uma antologia); quanto o de retirar, que, numa acepção pronominal, recolher-se, caminha para um isolamento. E era justamente essa ideia de isolamento que também nos interessava ressaltar, já que esta antologia não pode ser classificada como aquelas do tipo em que se reúnem “álbuns de família” (expressão do crítico e poeta português Manuel Gusmão).


SEM ESCOLHAS, SEM ESCOLAS


Se esta antologia não é daquelas do tipo “álbuns de família”, porque cada convidado “fala por si”, tampouco pode ser considerada das do tipo “manifesto” (e a expressão também é de Manuel Gusmão), porque não estávamos interessadas, como organizadoras, em amarrar uma ou outra determinada leitura, que costuraria a presença dos diversos convivas, levantando bandeiras de tendências ou sentidos. E isso é muito simples de explicar - apesar de acreditarmos que já tenhamos deixado isso mais ou menos claro -: os cartazes não se desenharam pela seleção de textos já editados, escolhidos anteriormente por nós, o que faria deles uma espécie de organismo, mapeado por nossos mais inusitados e invulgares interesses; os cartazes se movimentam por um convite em aberto, com a condição de acolherem apenas textos inéditos (entendendo-se por textos uma vasta região de possibilidades - e por inéditos idem), enviados especialmente para este projeto – um convite que não deixava de ter um certo ar de provocação, é claro, porque incitou os participantes a responderem a um desafio muito, muito específico: como cada um, por sua conta, risco e alegria, responderia ao convite de um cartaz ainda em branco?, um cartaz para a cidade, para os passantes, de passos, pés ligeiros?, um cartaz breve, brevíssimo, já passado, minúsculo, desaparecido?, um cartaz apenas, que transitaria, como sabíamos desde o início, no limiar do visível (legível) e do invisível (ilegível)?


RECAPITULANDO, DEAMBULANDO


Ora, enquanto grande parte das antologias visa demarcar uma ou outra tendência na produção poética do tempo que a circula e que ela mesma circula, nossa proposta consistiu em tentar uma aproximação crítica entre os diferentes textos e imagens com os quais nos deparamos, à medida que cruzamos tanto o chão da cidade quanto as nuvens da internet a partir do caráter errante e móvel que constituem as marcas do nosso próprio tempo. Porém, o que significa promover uma aproximação crítica do nosso próprio tempo? Ser contemporâneo, a nosso ver, é caminhar com o tempo. E isso não significa ser capaz de desvendá-lo com maior clareza e lucidez. Pelo contrário – ou “a contrapelo”, como diria Benjamin; “na contramão”, como multaria o DETRAN; “à contraluz”, como à modo de perspectiva.

Conjugando a abstração da categoria de tempo – através da qual organizamos nosso cotidiano, mediante noções como as de duração, sequencialidade, simultaneidade, ordenação e dedução, por exemplo – com o teor físico da perspectiva espacial – pela qual compreendemos as dimensões, as extensões, a materialidade, uma configuração, uma estrutura, uma disseminação ou fragmentação – pretendemos com este projeto explorar a dimensão cognitiva do leitor: seja em relação ao espaço que lhe atravessa e que é por ele constantemente atravessado seja em relação a si mesmo, ao perceber-se como uma componente a mais na construção dessa hybris abstrato-telúrica. A rearticulação constante dos tempos históricos enfatiza a importância de como ocupamos os espaços de nossas experiências cotidianas, de como deles nos apropriamos e a partir deles forjamos um ritmo de uso.

O contemporâneo, portanto, é esse real em que o atual concernente ao mais contingente do presente que decorre, que passa, se liga ao virtual, onde as imagens-lembrança, os lapsos de reminiscência e os acontecimentos grafados na memória cognitiva e na memória sensorial se encontram, convergem a partir e para uma terceira direção, um terceiro elemento, uma farpa que vem de fora, uma forma que se deforma dentro – ou num plano em suspensão, numa imagem em que se cristalizam todos estes feixes de percepção e leitura/refeitura da realidade. Um conjunto, talvez, como nossa antologia, mas um conjunto que se forja como acontecimento; que na multiplicidade polivalente de seus elementos, cada leitor possa encontrar-se com seu nexo e mesmo tentar compartilhá-lo com outros, intercambiando memórias pessoais que em um ponto ou outro se tocam e se tornam comuns, semelhantes. Assim, os textos também se conectam e desconectam, se reúnem e repelem; assim, o jardim se expande: em áridos desvãos e férteis acúmulos – ou férteis desvãos e áridos acúmulos...

Consideramos, portanto, que o movimento vetorial do projeto como um todo, no qual as direções, os começos, os pontos de partida e chegada são todos radiais e reflexivos, advém de uma deliberação em comum (e ao mesmo tempo díspar), com vistas a estipular, de maneira precária (e provisória), mecanismos, linhas de fuga através das quais pensar como as problemáticas de gestão urbanística e de gestão simbólica se intercalam no prismático bólide da pólis, gerando feixes móveis de cristalizações e irradiações políticas onde vida e arte não são mais que palavras diferentes, e, no entanto, não se tornam distintas de uma mesma vontade, compreendida como uma força que atual pela urgência do próprio fazer.

Falar em cristalizações e irradiações políticas é reiterar a importância de leituras que se ocupem da materialização do espaço e do seus atravessamentos – e, com isso, dizemos também corpo, minério, fluidez, enquanto pensa o tempo qual afecção, reminiscência, projeção. 
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